A liturgia do 16º Domingo do
Tempo Comum dá-nos conta do amor e da solicitude de Deus pelas “ovelhas sem
pastor”. Esse amor e essa solicitude traduzem-se, naturalmente, na oferta de
vida nova e plena que Deus faz a todos os homens.
Na primeira
leitura, pela voz do profeta Jeremias, Javé condena os pastores indignos que
usam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios projetos pessoais; e,
paralelamente, Deus anuncia que vai, Ele próprio, tomar conta do seu “rebanho”,
assegurando-lhe a fecundidade e a vida em abundância, a paz, a tranquilidade e
a salvação.
O Evangelho
recorda-nos que a proposta salvadora e libertadora de Deus para os homens,
apresentada em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos de
Jesus são – como Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da
solicitude de Deus por esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos
e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. A missão dos discípulos tem, no entanto,
de ter sempre Jesus como referência… Com frequência, os discípulos enviados ao
mundo em missão devem vir ao encontro de Jesus, dialogar com Ele, escutar as
suas propostas, elaborar com Ele os projetos de missão, confrontar o anúncio
que apresentam com a Palavra de Jesus.
Na segunda
leitura, Paulo fala aos cristãos da cidade de Éfeso da solicitude de Deus pelo
seu Povo. Essa solicitude manifestou-se na entrega de Cristo, que deu a todos
os homens, sem exceção, a possibilidade de integrarem a família de Deus.
Reunidos na família de Deus, os discípulos de Jesus são agora irmãos, unidos
pelo amor. Tudo o que é barreira, divisão, inimizade, ficou definitivamente
superado.
LEITURA I –
Jer 23,1-6
Leitura do
Livro de Jeremias
Diz o
Senhor: «Ai dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho!» Por
isso, assim fala o Senhor, Deus de Israel, aos pastores que apascentam o meu
povo: «Dispersastes as minhas ovelhas e as escorraçastes, sem terdes cuidado
delas. Vou ocupar-Me de vós e castigar-vos, pedir-vos contas das vossas más
ações - oráculo do Senhor. Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas de
todas as terras onde se dispersaram e as farei voltar às suas pastagens, para
que cresçam e se multipliquem. Dar-lhes-ei pastores que as apascentem e não
mais terão medo nem sobressalto; nem se perderá nenhuma delas – oráculo do
Senhor. Dias virão, diz o Senhor, em que farei surgir para David um rebento
justo. Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria; há-de exercer no país
o direito e a justiça. Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em
segurança. Este será o seu nome: ‘O Senhor é a nossa justiça’».
AMBIENTE
Jeremias, o
profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética
desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilônios (586
a.C.). O cenário da atividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e,
sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira
fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei –
preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus – leva
a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os
cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período,
traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Javé e à aliança.
No entanto,
em 609 a.C., Josias é morto, em combate contra os egípcios. Joaquim sucede-lhe
no trono. A segunda fase da atividade profética de Jeremias abrange o tempo de
reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
O reinado de
Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de incompreensão e
sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a criticar as
injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a infidelidade
religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas: procurar a
ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em contrapartida, colocar
a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que
Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente uma invasão babilônica
que castigará os pecados do Povo de Deus. É, sobretudo, isso que ele diz aos
habitantes de Jerusalém… As previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em
597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilônia uma parte da
população de Jerusalém.
No trono de
Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da missão profética
de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante este reinado.
Após alguns
anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha
política das alianças com o Egito. Jeremias não está de acordo que se confie em
exércitos estrangeiros mais do que em Javé… Mas, nem o rei, nem os notáveis lhe
prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo “profeta
da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
Em 587 a.C.,
Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em
socorro de Judá e os babilônios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional,
Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém
(cf. Jer 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jer
37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jer 38,11-13). Enquanto
Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de fato, de
Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilônia (586 a.C.).
O texto que
nos é hoje proposto como primeira leitura faz referência a esses tempos de
desnorte nacional, em que Judá, sem líderes capazes, já perdeu as referências e
a esperança no futuro. No texto, Deus condena os “pastores” de Israel porque
dispersaram as ovelhas do rebanho, o que parece aludir ao exílio na Babilônia.
Provavelmente, este texto deve situar-se entre 597 e 586 a. C., no tempo que
vai desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém – 597 a. C.) ao
segundo exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos Babilônios – 586 a.
C.).
O uso da
imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação é bastante frequente no
Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força especial na sequência de
David, o pastor que Javé ungiu e transformou em rei, encarregando-o de cuidar
do rebanho do Povo de Deus.
MENSAGEM
O nosso
texto começa com uma breve exposição da culpa: os “pastores” de Judá perderam,
dispersaram, escorraçaram as ovelhas do Senhor, sem terem cuidado delas (vers.
1-2a). Cada um dos verbos utilizados faz referência a fatos concretos (bem
recentes) da história de Judá. O aventureirismo, os interesses pessoais, as
jogadas políticas, a inconsciência dos líderes trouxeram consequências funestas
ao Povo, ao “rebanho” de Deus. Os líderes de Judá não procuraram servir o Povo,
mas serviram-se do Povo para concretizar os seus objetivos pessoais. Ora, o
“rebanho” não é propriedade dos “pastores”, mas do Senhor… Deus chamou-os a uma
missão concreta, encarregou-os de cuidar do seu “rebanho” e eles, depois de
terem aceite o compromisso, falharam totalmente.
Depois da
culpa, vem a sentença: Deus vai “ocupar-se” desses maus pastores: vai
castigá-los, pedir-lhes contas das suas más ações (vers. 2b). Deus não está
disposto a tolerar abusos de confiança, nem pode pactuar com líderes que
exploram o “rebanho” em seu benefício próprio. Na perspectiva de Deus, trata-se
de algo intolerável e que não pode ser deixado em claro.
Mas a
intervenção de Deus não se fica pelo pedir contas aos maus líderes… O próprio
Javé vai intervir, no sentido de salvar o seu “rebanho”. A intervenção de Deus
justifica-se pelo fato de se tratar do “rebanho” do Senhor e de Ele ter
responsabilidades para com as suas ovelhas.
A
intervenção de Deus vai desenvolver-se em três tempos, ou momentos… O primeiro
é a repatriação dos exilados: as ovelhas serão devolvidas “às sua pastagens
para que cresçam e se multipliquem” (vers. 3). Para esta tarefa, Deus não conta
com intermediários: Ele mesmo vai liderar o processo de libertação e de regresso
dos exilados à terra.
O segundo
momento da intervenção de Deus consiste na escolha de “pastores” exemplares
(vers. 4). A missão desses “pastores” será, simplesmente, “apascentar”. Isso
implica, naturalmente, o cuidado, a solicitude, o amor, a ternura pelo rebanho…
Esses pastores estarão, naturalmente, ao serviço do rebanho e não usarão o
rebanho para concretizar os seus interesses pessoais. As “ovelhas” aprenderão a
confiar nesse “pastor” que as ama e não terão mais “medo nem sobressalto”.
O terceiro momento
da intervenção de Deus é projetado para um futuro sem data marcada. Promete a
chegada de um “rebento justo” da dinastia de David (vers. 5). A imagem tirada
do reino vegetal (“rebento”) sugere fecundidade e vida em abundância, porque
ele dará vida em abundância ao rebanho de Javé. Ele assegurará “o direito e a
justiça” e trará salvação e segurança ao Povo de Deus. O nome desse rei será “o
Senhor é a nossa justiça” (vers. 6), pois é Deus que o legitima e a sua missão
será administrar a justiça que Deus quer. Garantindo a justiça, esse “pastor”
irá trazer a harmonia, a paz, a tranquilidade, a salvação, a vida verdadeira ao
Povo de Deus. Esta promessa com contornos messiânicos pretende anular a
frustração e o desespero e inaugurar um tempo de esperança para o Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de
mais, o nosso texto mostra a preocupação de Deus com a vida e a felicidade do
seu Povo. Nos momentos conturbados da nossa história (coletiva ou pessoal)
sentimo-nos, muitas vezes, órfãos, perdidos e abandonados ao sabor dos ventos e
das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os conflitos que dividem os
povos, a miséria que toca a vida de tantos dos nossos irmãos, os perigos dos
fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que o mundo todos os dias sofre, a
perda dos valores em que apostávamos, as novas e velhas doenças, as crises
pessoais, os problemas laborais, as dificuldades familiares trazem-nos a
consciência da nossa pequenez e impotência frente aos grandes desafios que o
mundo hoje nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem rumo e sem destino,
abandonadas à nossa sorte. Por vezes, no nosso desespero, apostamos em
“pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para a vida e para a
felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de protagonismo e para realizar
os seus projetos egoístas… A Palavra de Deus que nos é proposta neste domingo
garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa conosco, que está atento a
cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas necessidades e está
permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por
caminhos seguros e para nos oferecer a vida e a paz. É n’Ele que temos de
apostar, é n’Ele que temos de confiar. Esta constatação deve ser, para todos os
crentes, uma fonte de alegria, de esperança, de serenidade e de paz.
• As ameaças
contra os maus pastores apresentadas neste texto de Jeremias talvez nos tenham
levado a pensar nos líderes do mundo, nos nossos governantes e, talvez também,
nos líderes da Igreja. Na verdade, a nossa história recente está cheia de
situações em que as pessoas encarregadas de cuidar da comunidade humana usaram
o “rebanho” em benefício próprio e magoaram, torturaram, roubaram,
assassinaram, privaram de vida e de felicidade essas pessoas que Deus lhes
confiou… De qualquer forma, este texto toca-nos a todos, pois todos somos, de
alguma forma, responsáveis pelos irmãos que caminham conosco. Convida-nos a
refletir sobre a forma como tratamos os irmãos, na família, na Igreja, no
emprego, em qualquer lado… Recorda-nos que os irmãos que caminham conosco não
estão ao serviço dos nossos interesses pessoais e que a nossa função é ajudar
todos a encontrar a vida e a felicidade.
• O nosso
texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar ao encontro do seu Povo e
que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a concretização desta promessa.
Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a vida plena e verdadeira… Como é que nós,
as “ovelhas” a quem se destina a proposta de salvação que Deus nos faz em
Jesus, acolhemos o que Ele nos veio dizer? As propostas de Jesus encontram eco
na nossa vida? Estamos sempre dispostos a acolher as indicações e os valores
que Ele nos apresenta?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)
Refrão: O
Senhor é meu pastor: nada me faltará.
O Senhor é
meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.
Ele me guia
por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
Para mim
preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça,
e o meu cálice transborda.
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça,
e o meu cálice transborda.
A bondade e
a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.
LEITURA II –
Ef 2,13-18
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos: Foi
em Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus, vos aproximastes d’Ele, graças
ao sangue de Cristo. Cristo é, de fato, a nossa paz. Foi Ele que fez de judeus
e gregos um só povo e derrubou o muro da inimizade que os separava, anulando,
pela imolação do seu corpo, a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos.
E assim, de uns e outros, Ele fez em Si próprio um só homem novo, estabelecendo
a paz. Pela cruz reconciliou com Deus uns e outros, reunidos num só Corpo,
levando em Si próprio a morte á inimizade. Cristo veio anunciar a boa nova da
paz, paz para vós, que estáveis longe, e paz para aqueles que estavam perto.
Por Ele, uns e outros podemos aproximar-nos do Pai, num só Espírito.
AMBIENTE
A Carta aos
Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a
várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma?
em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos
58/60.
Alguns vêem
nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que
Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na Ásia e não sabe exatamente
o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos que ele está, por esta altura,
prisioneiro e não sabe como vai terminar o cativeiro).
O tema
central da Carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o
desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade,
escondido durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em
Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na
Igreja.
O texto que
nos é aqui proposto integra a parte dogmática da carta. Depois de refletir
sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem para os homens (cf.
Ef 2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por Cristo, que com a sua
doação uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef 2,11-22).
MENSAGEM
Paulo
dirige-se aos pagãos (“vós outrora longe de Deus” – vers. 13) e explica-lhes
que foi pelo sangue de Cristo que eles se aproximaram de Deus. Antes, eles
adoravam os ídolos e tinham convicções religiosas; mas desconheciam o
verdadeiro Deus e a sua proposta de salvação; agora, foram admitidos a fazer
parte da família de Deus.
Além disso,
a entrega de Cristo derrubou a tradicional barreira de inimizade que separava
judeus e pagãos e fez de todos um único Povo. Os judeus, convencidos de que
eram um Povo à parte, desprezavam os pagãos e não queriam qualquer contacto com
eles; as suas leis pugnavam por uma rígida separação e interditavam o contacto
com os outros povos. Os pagãos, por sua vez, nutriam um profundo desprezo pelos
judeus, pela sua diferença, pela sua arrogância…
Ora, Cristo
veio apresentar uma proposta de vida que é para todos, sem exceção. O que é
decisivo, agora, não é a pertença a um determinado Povo, mas a forma como se
responde à proposta de vida que Jesus faz. Responder positivamente à proposta
de Cristo é passar a integrar a comunidade dos santos. A Lei de Moisés, com as
suas prescrições e exigências (que, na prática, vedavam aos pagãos a
possibilidade de integrar o Povo de Deus), fica anulada… Na nova economia da
salvação, o que conta é a disponibilidade para acolher a vida que Deus oferece
e ser Homem Novo.
Nasce,
assim, um “corpo” que integra os mais diversos membros, pertencentes a todos os
quadrantes da família humana. Todos aqueles que aceitaram integrar a comunidade
de Jesus, sem diferenças de etnias, de raças, de cor da pele, de classes
sociais ou culturais, pertencem à mesma família, a família de Deus. Todos –
judeus e pagãos – são, agora, membros da comunidade trinitária do Pai (que
oferece a vida), do Filho (que vem ao encontro dos homens para lhes comunicar a
vida do Pai) e do Espírito (que mantém unidos os membros deste “corpo” entre si
e com Deus.
ATUALIZAÇÃO
• O texto
que nos é proposto tem, em pano de fundo, essa verdade fundamental que a
liturgia nos recorda todos os domingos: Deus tem uma proposta de salvação para
oferecer a todos os homens, sem exceção; e essa proposta tem como finalidade
inserir-nos na família de Deus. A constatação de que para Deus não há
distinções e todos são, igualmente, filhos amados – para além das possíveis
diferenças rácicas, étnicas, sociais ou culturais – é algo que nos tranquiliza,
que nos dá serenidade, esperança e paz. O nosso Deus é um pai que não
marginaliza nenhum dos seus filhos; e, se tem alguma predileção, não é por
aqueles que o mundo admira e endeusa, mas é pelos mais débeis, pelos mais
fracos, pelos oprimidos, pelos que mais sofrem.
• O que é
verdadeiramente importante, na perspectiva de Deus, não é a cor da pele, nem as
capacidades intelectuais, nem as qualidades humanas, nem a pertença a
determinada instituição política ou religiosa, nem os contributos (em dinheiro
ou em obras) que se dão à Igreja; mas o que é decisivo é ter disponibilidade
para acolher a vida que Ele oferece e para aderir à proposta de caminho que Ele
faz. Estou sempre numa permanente atitude de escuta das propostas de Deus, ou
vivo fechado a Deus e às suas indicações, num caminho de orgulho e de
auto-suficiência? Para mim, o que é que significam as propostas de Deus? Elas
influenciam as minhas opções, os meus valores, as minhas atitudes? A forma como
eu me relaciono com todos os homens e mulheres que encontro nos caminhos deste
mundo é coerente com essa proposta de vida que Deus me faz?
• A
comunidade cristã é uma família de irmãos, que partilham a mesma fé e a mesma
proposta de vida. É um “corpo”, formado por uma grande diversidade de membros,
onde todos se sentem unidos em Cristo e entre si numa efetiva fraternidade. As
nossas comunidades (cristãs ou religiosas) são, efetivamente, comunidades de
irmãos que se amam, para além das diferenças legítimas que há entre os membros?
Nas nossas comunidades todos os irmãos são acolhidos e amados, ou há irmãos
considerados de segunda classe, marginalizados e maltratados? Eu, pessoalmente,
como é que vejo esses irmãos na fé que caminham comigo? Perante as diferenças
de perspectiva, como é que eu reajo: com respeito pela opinião do outro, ou com
intolerância?
• No mundo
de hoje o fenômeno da globalidade aproxima-nos dos outros homens que partilham
conosco esta casa comum que é o mundo e torna-nos mais tolerantes para com as
diferenças. Contudo, subsistem muros – alicerçados nas diferenças rácicas,
políticas, religiosas, sociais, afetivas – que impedem uma total experiência de
fraternidade universal. Na nossa vida pessoal e familiar, na nossa vida pessoal
e na nossa experiência de caminhada comunitária, aparecem frequentemente muros
que nos dividem, que impedem a comunicação, o encontro, a comunhão. Nós, os
discípulos desse Cristo que veio reconciliar “judeus e gregos” e fazer de todos
“um só povo”, temos o dever de dar testemunho da paz e da unidade e de lutar
objetivamente contra todas as barreiras que separam os homens.
ALELUIA – Jo
10,27
Aleluia.
Aleluia.
As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.
As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.
EVANGELHO –
Mc 6,30-34
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele
tempo, os Apóstolos voltaram para junto de Jesus e contaram-Lhe tudo o que
tinham feito e ensinado. Então Jesus disse-lhes: «Vinde comigo para um lugar
isolado e descansai um pouco». De fato, havia sempre tanta gente a chegar e a
partir que eles nem tinham tempo de comer. Partiram, então, de barco para um
lugar isolado, sem mais ninguém. Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para
onde iam; e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar e chegaram
lá primeiro que eles. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e
compadeceu-Se de toda aquela gente, que eram como ovelhas sem pastor. E começou
a ensinar-lhes muitas coisas.
AMBIENTE
O Evangelho
do passado domingo mostrava-nos Jesus a enviar os discípulos, dois a dois, para
pregarem o arrependimento, expulsarem os demônios, ungirem e curarem os doentes
(cf. Mc 6,7-13). O anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio que Jesus
fazia (o “Reino”); os gestos que os discípulos são convidados a fazer para
anunciar o “Reino” são os mesmos que Jesus fez.
O Evangelho
deste domingo apresenta-nos o regresso dos enviados de Jesus. Marcos
chama-lhes, agora, “apóstolos” (enviados): é a única vez que a palavra aparece
no Evangelho segundo Marcos. A missão correu bem e os “apóstolos” estão
entusiasmados, mas naturalmente cansados.
Não há, no
texto, qualquer indicação do lugar onde a cena se teria desenrolado.
MENSAGEM
O nosso
texto começa com a narração do regresso dos discípulos que, entusiasmados,
contam a Jesus a forma como se tinha desenrolado a missão que lhes fora
confiada (vers. 30). Na sequência, Jesus convida-os a irem com Ele para um
lugar isolado e a descansarem um pouco (vers. 31). Os discípulos foram, com
Jesus, para um lugar deserto (vers. 32); mas as multidões adivinharam para onde
Jesus e os discípulos se dirigiam e chegaram primeiro (vers. 33). Ao
desembarcar, Jesus viu as pessoas, teve compaixão delas (“porque eram como
ovelhas sem pastor”) e pôs-se a ensiná-las (vers. 34).
O episódio,
em si, é banal… No entanto, Marcos vai aproveitá-lo para desenvolver a sua
catequese sobre o discipulado. A catequese apresentada por Marcos desenvolve-se
à volta dos seguintes pontos:
1. Os
apóstolos são os enviados de Jesus, chamados a continuar no mundo a missão de
Jesus. Essa missão consiste em anunciar o Reino. Para a concretizar, os
apóstolos convidam os homens que escutam a mensagem a mudarem a sua vida e a
acolherem a proposta que Jesus lhes faz. Os gestos dos discípulos (“expulsaram
demônios, curaram doentes” – Mc 6,13) anunciam esse mundo novo de homens livres
e esse projeto de vida verdadeira e plena que Deus quer oferecer a todos os
homens.
2. A
referência à necessidade de os “apóstolos” descansarem (pois nem sequer tinham
tempo para comer) pretende ser um aviso contra o ativismo exagerado, que
destrói as forças do corpo e do espírito e leva, tantas vezes, a perder o
sentido da missão.
3. Os
“apóstolos” são convidados por Jesus a irem com Ele para um lugar isolado. Já
dissemos, acima, que não se nomeia esse lugar: na realidade, o que interessa
aqui não é o lugar geográfico, mas sim que esse “descanso” deve acontecer junto
de Jesus. É ao lado de Jesus, escutando-O, dialogando com Ele, gozando da sua
intimidade, que os discípulos recuperam as suas forças. Se os discípulos não
confrontarem, frequentemente, os seus esquemas e projetos pastorais com Jesus e
a sua Palavra, a missão redundará num fracasso.
4.
Entretanto, as multidões tinham seguido Jesus e os discípulos a pé – quer
dizer, deslocando-se à volta do Lago de Tiberíades, com o barco sempre à vista.
Esta busca incansável e impaciente espelha, com algum dramatismo, a ânsia de
vida que as pessoas sentem… Jesus, cheio de compaixão, compara a multidão a um
rebanho sem pastor. Não é nos líderes religiosos ou políticos da nação que elas
encontram segurança e esperança; não é nos ritos da religião tradicional que
elas encontram paz e sentido para a vida… Mas é em Jesus e na sua proposta que
as multidões encontram vida verdadeira e plena. Na sequência, Marcos vai
narrar-nos a cena da multiplicação dos pães e dos peixes, que saciam a fome de
cinco mil homens.
ATUALIZAÇÃO
• A proposta
salvadora e libertadora de Deus para os homens, apresentada em Jesus, é agora
continuada pelos discípulos. Os discípulos de Jesus são – como Jesus o foi – as
testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus por esses homens e
mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como ovelhas sem
pastor”. As vítimas da economia global, os que são colocados à margem da sociedade
e da vida, os estrangeiros que buscam noutro país condições dignas de vida e
são empurrados de um lado para o outro, os doentes que não têm acesso a um
sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados pela família, as crianças que
crescem nas ruas, aqueles que a vida magoou e que ainda não conseguiram sarar
as suas feridas, encontram em cada um de nós, discípulos de Jesus, o amor, a
bondade e a solicitude de Deus? Que fizemos com essa proposta de vida nova e de
libertação que Jesus nos mandou testemunhar diante das “ovelhas sem pastor”?
• A missão
dos discípulos não pode ser desligada de Jesus. Os discípulos devem, com
frequência, reunir-se à volta de Jesus, dialogar com Ele, escutar os seus
ensinamentos, confrontar permanentemente a pregação feita com a proposta de
Jesus. Por vezes, os discípulos (verdadeiramente comovidos com a situação das
“ovelhas sem pastor”) mergulham num ativismo descontrolado e acabam por perder
as referências; deixam de ter tempo e disponibilidade para se encontrarem com Jesus,
para confrontarem as suas opções e motivações com o projeto de Jesus… Por
vezes, passam a “vender”, como verdade libertadora, soluções que são parciais e
que geram dependência e escravidão (e que não vêm de Jesus); outras vezes,
tornam-se funcionários eficientes, que resolvem problemas sociais pontuais, mas
sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma libertação verdadeira e global;
outras, ainda, cansam-se e abandonam a atividade e o testemunho… Jesus é que dá
sentido à missão do discípulo e que permite ao discípulo, tantas vezes fatigado
e desanimado, voltar a descobrir o sentido das coisas e renovar o se empenho.
• A comoção
de Jesus diante das “ovelhas sem pastor” é sinal da sua preocupação e do seu
amor. Revela a sua sensibilidade e manifesta a sua solidariedade para com todos
os sofredores. A comoção de Jesus convida-nos a sermos sensíveis às dores e
necessidades dos nossos irmãos. Todo o homem é nosso irmão e tem direito a
esperar de nós um gesto de bondade e de acolhimento. Não podemos ficar no nosso
canto, comodamente instalados, com a consciência em paz (porque até já fomos à
missa e rezamos as orações que a Igreja manda), a ver o nosso irmão a sofrer. O
nosso coração tem de doer, a nossa consciência tem de questionar-nos, quando
vimos um homem ou uma mulher (nem que seja um desconhecido, nem que seja um
estrangeiro) ser magoado, explorado, ofendido, marginalizado, privado dos seus
direitos e da sua dignidade. Um cristão é alguém que tem de sentir como seus os
sofrimentos do irmão.
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