"Jovens,
vocês são templos de Deus, templos do Espírito Santo. No altar dos deuses do
mercado, do capital, da droga, do sexismo e do consumismo estão sendo
sacrificados milhares de jovens anualmente no Brasil. O Deus da vida chora por
causa disso. Todo tanto que fizermos para interrompermos essa matança é pouco.
É hora de desmascarar a Idolatria do mercado e do capital", escreve Frei Gilvander Luís Moreira,
padre da Ordem dos carmelitas, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício
Instituto Bíblica, de Roma, Itália; é professor de Teologia Bíblica; assessor
da Comissão Pastoral da Terra – CPT -, assessor do Centro Ecumênico de Estudos
Bíblicos – CEBI -, assessor do Serviço de Animação Bíblica - SAB - e da Via
Campesina em Minas Gerais, ao descrever as bases para uma Teologia da Missão
dos jovens.
Eis
o artigo.
“Deixa-me ser jovem, não me impeça de buscar, pois a vida me
convida uma missão realizar...”
1. Para início de reflexão
A Campanha da Fraternidade de
2013 será sobre Juventude. Que beleza! Mais do que necessária. Oxalá a juventude
da igreja católica e de outras igrejas, as comunidades cristãs da Igreja
Católica e de outras igrejas e pessoas de boa vontade dêem as mãos e unam os
corações para que a Opção Preferencial pelos Pobres e pelos Jovens se torne uma
realidade palpável entre nós, na atualidade, no Brasil.
Pediram-me um texto sobre Juventude e Missionariedade, palavra difícil
para dizer “missão dos jovens”. Primeiro, digo que descobri minha vocação e
missão de ser frei e padre carmelita em um Grupo de Jovem, em Arinos,
Noroeste de Minas Gerais. Isso na década de 70 do século XX. Participei, animei
e ajudei na coordenação ou assessoria de vários grupos de jovens em Arinos, MG,
em Taguatinga/DF,
na Vila Parolim, em Curitiba,
PR, nas Favelas do Parque
Novo Mundo, em São Paulo, SP. E, em 18 anos de padre e 27 de
frei, na assessoria da Comissão Pastoral da Terra, do MST e de
Comunidades Eclesiais de Base, tenho tido a alegria de ser militante de várias
causas dos pobres ao lado de muitos jovens militantes de Reino de Deus, um reino
que passa por Justiça Social e Justiça ambiental. São jovens que, como Che Guevara e/ou
Jesus de Nazaré, sempre se comovem com a dor dos empobrecidos, se fazem
solidários e ficam possuídos por uma ira santa diante de toda e qualquer
injustiça acontecida contra qualquer pessoa (ou ser vivo) e em qualquer parte
do mundo. Logo, acredito na Juventude que se levanta para lutar por vida e
liberdade para todos e para tudo. Aliás, está se fortalecendo no Brasil o
Levante Popular da Juventude , um Movimento muito idôneo e do qual vale a pena
participar.
Para refletirmos sobre a Missão dos Jovens (= Missionariedade) é preciso
consideramos a Missão – ou as missões – dos Jovens com relação a várias
dimensões que envolvem nossa vida. Jovem não deve desenvolver sua missão só
dentro das igrejas. É preciso ser luz, sal e fermento na sociedade e em todos
os ambientes. Devemos perguntar: Qual a missão dos jovens diante da
Espiritualidade? E da afetividade e da sexualidade? E das questões ambientais?
E diante da violência que assola a sociedade, fere e mata milhares de jovens? E
na Pastoral nas Igrejas e a partir das igrejas? E com relação à Comunicação?
Enfim, qual a missão dos jovens a partir da Bíblia? Mas, antes, quais a/s
identidade/s do/s jovem/ns, hoje?
2. Jovem, um dinamismo de vida
O jovem, por natureza, é inquieto, busca, questiona, não aceita verdades
prontas, quer participar. Muitos sentem que fazem parte ou querem participar.
Quantos jovens são cantores, trovadores, poetas, artesãos, artistas que
resistem valorizando a cultura popular e as raízes culturais mais profundas.
A Juventude é - em parte e pode ser cada vez mais - expressão de três
belíssimas metáforas do Evangelho do jovem Galileu: luz, fermento e sal. Luz para iluminar caminhos e
aquecer corações no meio de tanta escuridão eclesiástica/eclesial, social,
política, econômica, existencial e ecológica. Fermento para fermentar muita
massa sem fisionomia, amorfa e como folha ao vento. Sal para salgar a realidade
eclesiástica, eclesial e social que, infelizmente, padece de muita podridão.
3. Olhando para a história
Para sugerirmos algumas missões e tarefas dos jovens, hoje, faz bem
olharmos um pouco para a história da nossa América Afrolatíndia. Segundo Eduardo Galeano, autor do
livro As veias abertas da América Latina – de leitura
indispensável - e de muitos outros livros necessários para uma boa compreensão
da nossa história, “a América Latina é uma peça fundamental para o
enriquecimento das nações dominadoras, restando como conseqüência dessa lógica
de exploração imperialista o subdesenvolvimento crônico do nosso continente e
as intermináveis crises sociais que vivemos por nunca conseguirmos nos
desvencilhar do status de colônia. A riqueza das potências é a pobreza da
América Latina.”
Como tem sido a participação da juventude brasileira historicamente?
Assim como Zumbi dos Palmares e Dandara,
sua companheira, muitos jovens negros fugiram das senzalas e construíram
resistência nos quilombos. Lutaram e lutam hoje contra muitos tipos de
escravidões. Muitos jovens camponeses participaram ativamente das Ligas Camponesas, sob a
liderança de Francisco Julião, um jovem
advogado sonhador e aguerrido na luta, para quem a Reforma Agrária seria
realizada na lei ou na marra. Muitos jovens participaram da Revolução
Estudantil em 1968, anos de chumbo.
Na época da ditadura militar, civil e empresarial (de 1964 a 1985),
milhares de jovens foram presos, torturados, exilados e muitos outros
desaparecidos. Para conhecer melhor o contexto da época dos anos de chumbo,
sugiro a leitura do livro Brasil Nunca Mais e, caso você não os conheça,
assistir aos seguintes filmes, dentre outros no mesmo tema: 1) Batismo de
sangue, 2) Pra frente Brasil, 3) Cabra Cega, 4) Ação entre Amigos, 5) Zuzu
Angel, 6) Hércules 56, 7) Dois Córregos, 8) Nunca fomos tão felizes, 9) O Ano
em que meus pais saíram de férias, 10) O que é Isso Companheiro?e 11) Araguaia.
São filmes que registraram páginas sangrentas dos anos de chumbo no Brasil,
nos fazem entender bem o passado e vivenciar nosso presente e planejar nosso
futuro.
Resistência cultural também foi realizada por muitos jovens, tais como, Geraldo Vandré (“Quem
sabe faz a hora não espera acontecer...”, Chico Buarque (“Pai, afasta de mim este cale-se...”)
etc. O movimento da juventude gerou grandes políticos comprometidos com a
libertação dos pobres. Isso sem falar dos carapintadas que contribuíram muito
para o Impeachment do presidente
Fernando Collor.
3.1 - Década de 60 do século XX até 1989:
A queda do Muro de Berlim,
em 09 de novembro de 1989, marcou simbolicamente a derrocada do socialismo
real. Desde a década de 60 até a queda do Muro de Berlim vivíamos sob o signo
da Utopia da Grande Revolução. Acreditava-se ser possível superar o capitalismo
– e o Capital - e construir o socialismo, uma Sociedade para além do Capital.
Pensava-se que poderíamos tomar o Poder a partir do Estado e implantar de cima
para baixo a justiça social fazendo revoluções – mais do que reformas -
agrária, urbana, educacional e política. As revoluções cubana (1959) e
nicaragüense (1979) eram exemplos a serem seguidos e fonte de inspiração para
se travar a luta contra a injustiça social. Com o assassinato de Presidente Alliende,
eleito democraticamente no Chile, em 11 de setembro de 1973, ofuscou-se a estrela do
socialismo que estava irrompendo na América Afrolatíndia. Uma série de golpes
militares, arquitetados pelo império estadunidense com forte apoio das elites
nacionais aconteceram na América Afrolatíndia: Paraguai, Uruguai, Argentina,
Chile, Brasil etc. Na Argentina, cerca de 30 mil jovens foram assassinados. No
Brasil, estima-se que foram cerca de 17 mil.
Com a queda do socialismo real, no pós 1989, as sociedades mergulharam
na crise das grandes utopias. Inaugurou-se uma época de fortalecimento do
capitalismo neoliberal, melhor dizendo, neocolonial. Veio a onda neoliberal e,
como um tsunami, levou de roldão centenas de empresas públicas/estatais. No
Brasil, só nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB + DEM), mais de 170
empresas estatais foram privatizadas “a preço de banana”. Um imenso patrimônio
do povo foi seqüestrado nas mãos de poucas empresas transnacionais. A Vale do
Rio Doce, que valia mais de 100 bilhões de reais, foi entregue apenas por 3,2
bilhões de reais. Há mais de cem ações judiciais questionando a privatização da
Vale, mas estão todas engavetadas no Poder Judiciário, poder que, infelizmente,
defende mais a propriedade do que a dignidade humana. Companhias de água,
energia, telefonia, siderurgia e etc passaram a ser regidas exclusivamente pelo
mercado onde a ganância por lucro máximo não tem fim. Além de priorizar o
lucro, essas empresas são responsáveis por danos sociais e ambientais em vista
dos empreendimentos de alto impacto que patrocinam irresponsavelmente.
Com o eclipse da Utopia da Grande Revolução, uma grande frustração se
abateu sobre a esquerda mundial com a derrocada do socialismo real. Muitos
diziam que se tornou impossível superar o capitalismo. Um arauto do
neoliberalismo, Fukuyama, chegou a
anunciar o “fim da história” ao sugerir que agora não seria mais possível
implantar nenhum projeto alternativo ao capitalismo. Se fosse assim, restaria
apenas a resignação diante do atual sistema é, na prática, uma máquina de moer
vidas. Os capitalistas cantaram vitória. Mas a história não acabou. O monstro
que é o capitalismo ruge como um leão, mas tem os pés de barro.
Nesse contexto, o foco passa a ser a construção de micro-revoluções.
Trata-se de construirmos um Outro Mundo Possível e necessário, mas debaixo para
cima e de dentro para fora, a partir dos pobres, tecendo uma rede de movimentos
sociais populares em todos os cantos e recantos, em todas as vilas, favelas,
bairros, no asfalto e nos morros, no campo e na cidade. Esse movimento está em
curso, liderado em grande parte pelo Movimento de Juventude presentes nos
vários Movimentos Populares: MST, MAB , Via Campesina, Movimento Indígena,
Movimento Negro, Movimento LGBT, Movimento dos Sem Teto, Movimento de Mulheres
etc. A juventude presente nas Pastorais Sociais também participa
ativamente da construção de micro-revoluções.
3.2
- Rápida retrospectiva religiosa
Para entender a/s missão/ões do/s jovem/ns, hoje, temos também que fazer
uma rápida retrospectiva religiosa. De 1962 a 1965 aconteceu o Concílio Vaticano II,
que abriu a Igreja Católica para os bons ventos do mundo. Muitos dizem que João
XXIII, o papa que convocou e abriu o Concílio, na abertura do Concílio teria
aberto as janelas do Vaticano e dito: “Que os bons ventos do mundo inundem a
Igreja e oxigene-a internamente.” No Vaticano II a Igreja se reconheceu como Povo de
Deus, abriu-se para o ecumenismo e para a inculturação. Os leigos foram
valorizados e diálogos com o mundo moderno iniciaram-se. Vários movimentos
eclesiais tornaram possível a realização do Concílio e foram fortalecidos pelos
Documentos do Vaticano II: Movimento litúrgico, movimento bíblico, movimento
leigo, Movimento ecumênico, entre outros.
Quatro conferências dos bispos da América Afrolatíndia contribuíram
muito para que os bons ventos do Vaticano II fossem assimilados entre nós. Na Conferência episcopal de Medelin,
na Colômbia, em 1968, a Opção pelos Pobres e pelos Jovens foi consagrada. Em
Puebla, no México, em 1979, a Opção pelos Pobres e pelos Jovens foi confirmada.
Em Santo Domingos, na República Dominicana, em 1992 - quando clamávamos por
Outros 500 anos sem opressão, sem colonização, sem imposição cultural e
religiosa – a inculturação e o protagonismo das/os leigas/os foi referendado.
Em Aparecida,
no Brasil, em 2007, na 5ª Conferência episcopal latino-americana, os pontos
fortes deMedelin, Puebla e Santo Domingos foram
resgatados e o reconhecimento das Comunidades Eclesiais de Base foi atestado mais uma
vez.
Movida e inspirada pela Teologia Política da Europa, a Ação Católica chegou
ao Brasil no clima espiritual e profético do Vaticano II. A Ação Católica
contava com cinco organizações destinadas aos jovens: JAC, JEC, JIC, JOC, JUC .
A JUC ajudou muito na criação da Ação Popular que lutava por Reformas de Base
como a reforma agrária.
A Ação Católica contribuiu muito na construção do que é hoje a Pastoral da Juventude.
Ajudou muito no nascimento e crescimento das CEBs. O papa Paulo VI continuou
o Vaticano II e como pontífice colocou em prática as inspirações e os
documentos conciliares. Paulo VI disse: “A melhor forma de amar o próximo é
fazer política, pois esta ataca os problemas pela raiz.” Assim, Paulo VI ajudou
muito as comunidades cristãs a experimentar a íntima relação que há entre fé e
política, entre Evangelho e questões sócio-ambientais.
4. E os jovens na Bíblia?
Para se compreender a Missão dos jovens, hoje, é preciso também
contemplar a atuação de muitos jovens que pelo que fizeram e ensinaram se
imortalizaram na Bíblia. Cito apenas onze.
1. No
livro de Gênesis (Gn 37-50), o jovem José, vendido pelos irmãos, dá a volta por
cima e se transforma em um libertador do seu povo e dos seus irmãos.
2. Samuel
foi um jovem que soube ouvir a voz de Deus e entrou para a história como um dos
iniciadores da profecia (Cf. Samuel 1 a 16).
3. O
jovem Davi reuniu os desvalidos da sociedade e liderou uma grande resistência
popular que o tornou rei de seu povo. Davi, inclusive, desafiou o “invencível”
Golias e dominou. Entrou para a história como um dos três reis bons: Davi,
Ezequias e Josias.
4. Amós,
um jovem camponês vaqueiro, pequeno agricultor, se tornou o profeta da justiça
social. Fervia o sangue de indignação contra a opressão dos latifundiários.
Clamava por preços justos para os produtos do campo e por Reforma Agrária.
5. O
profeta Jeremias, com apenas 18 anos, se tornou um grande profeta.
6. Bela
órfã judia, a jovem Ester, por sua atuação, foi decisiva para livrar seu povo
do aniquilamento.
7. O
jovem Daniel, exilado na Babilônia com seu povo, tornou-se um dos maiores
profetas de todos os tempos.
8. A
jovem Maria de Nazaré, por amor, abraçou o projeto de Deus. Arriscou ser
apedrejada. Tornou-se solidária e libertadora de seu povo. Acompanhou Jesus de
ponta a ponta e depois da paixão e ressurreição de Jesus, eis Maria no meio das
primeiras pessoas que fizeram a experiência da ressurreição de Jesus.
9. José,
o pai de Jesus, colocado pela tradição como um idoso, deve ter sido enquanto
jovem que, por amor, abraçou a “Menina de Nazaré” e, como homem justo, ao lado
de Maria, foi decisivo para que Jesus crescesse em estatura, sabedoria e graça.
10. João
Batista, ainda jovem, liderou um grande movimento popular-religioso que lutava
contra as desigualdades sociais e econômicas. Foi preso e decapitado pelo
governador Herodes Antipas, porque estava liderando uma insurreição popular,
ameaçava o status quo.
11. Jesus
de Nazaré fez história em plena juventude. Foi condenado à pena de morte aos 33
anos, diz a tradição. A entrada de Jesus em Jerusalém (Lc 19,28-40), o que se
recorda no Domingo de Ramos, foi organizada e realizada pelos camponeses da
Galileia. No meio deles, muitos jovens.
O de número doze é cada um/a um/a de nós que somos carinhosamente convidados
por esses e essas jovens da Bíblia a assumir nossa missão e fazermos a
diferença, combatendo o bom combate.
5. Missão e tarefas dos jovens, hoje
Considerando as muitas dimensões da pessoa humana, pensamos que a Missão
dos Jovens, hoje, deve envolver várias dimensões humanas e levando em conta o
abordado anteriormente, entre muitas missões/tarefas que estão clamando para
serem abraçadas pelos jovens, hoje, destacamos:
5.1 – Fazer Teologia da Juventude
Teologia não é uma reflexão sobre Deus, mas uma reflexão sobre qualquer
assunto a partir da fé no Deus solidário e libertador. Teologia não pode andar
no cabresto do papa e nem dos bispos. Não pode ser apologética, isto é,
justificadora da Instituição Igreja. A partir do ser jovem, da realidade que é
e envolve a juventude precisamos pensar: o que o Deus da vida pede de nós
diante de tantos desafios que estão no colo da juventude?
Jovens, vocês são templos de Deus, templos do Espírito Santo. No altar
dos deuses do mercado, do capital, da droga, do sexismo e do consumismo estão
sendo sacrificados milhares de jovens anualmente no Brasil. O Deus da vida
chora por causa disso. Todo tanto que fizermos para interrompermos essa matança
é pouco. É hora de desmascarar a Idolatria do mercado e do capital.
5.2 – Promover libertação integral
Intuo que uma das tarefas missionários dos jovens é lutar pela
libertação integral das pessoas e de tudo e não apenas por libertação
espiritual. No programa de Jesus, em Lc 4,16-21, consta uma libertação política
(“libertar os presos”), social e econômica (“anunciar uma boa notícia aos
pobres”), libertação ideológica (“restituir a visão”, e espiritual (“proclamar
o Ano de Graça do Senhor”). Assim, Jesus resgata o Jubileu Bíblico (Cf. Lev
25,8-12). No ano do Jubileu, toca-se o “berrante” (em hebraico “sofar”), que
acontece no primeiro ano após sete vezes sete anos. Neste Jubileu, todas as
dívidas devem ser perdoadas; todas as terras devem voltar ao primeiro dono (aos
ancestrais); todos os escravos devem ser libertados. Enfim, é tempo de se fazer
uma re-organização geral na sociedade; tempo para recriar a Vida e as relações
humanas com fraternidade, solidariedade libertadora, reconciliação e novos
sonhos.
5.3
– Acreditar na ortopráxis, sim; ortodoxia, não!
Outra missão dos jovens é defender uma ortopráxis (= testemunho
libertador), não uma ortodoxia (= opinião certa). O que de fato faz diferença
não é tanto o que a gente pensa ou em que acreditamos, mas o que fazemos (ou
deixamos de fazer). É hora de compromisso com um outro projeto de sociedade,
que seja justo, ecumênico e sustentável ecologicamente.
5.4 - Rever conceitos.
Verdade não é adequação de um conceito a um objeto. Isso é verdade
formal. “Verdade é o que liberta todos e tudo”, diz o quarto evangelho da
Bíblia. A verdade deve ser buscada conjuntamente. Ninguém é dono da verdade,
mas verdade como o que liberta deve ser buscada a partir dos pobres (últimos,
pequenos, discriminados): pobre, excluído, sem terra, indígenas, negros, pessoas
com deficiências, idosos, desempregados, homossexuais, mãe terra, irmã água,
favelados, vítimas da violência etc.
5.5 - Sentir-se igreja, membro vivo de uma comunidade de fé libertadora.
“Igreja é Povo de Deus”, nos ensina o Vaticano II. È hora de percebermos
que o sacerdócio comum está acima do sacerdócio ordenado. Os jovens não podem
aceitar uma relação que os coloquem como infantis e em uma postura de quem só
deve obedecer. Nada disso. Os jovens têm o direito e o dever de dialogar,
discutir e reivindicar o direito de decidir conjuntamente todos os assuntos que
envolvem a vida da comunidade cristã e da sociedade.
É hora de perceber que a coisa sagrada é também profana. Profanar é
retirar do uso exclusivo para dar acesso a todos. Pro-fanar vem do verbo grego
faneo, que quer dizer “brilhar”. Ou seja, que o brilho do sagrado seja
estendido a todos sem distinção e sem nenhuma discriminação. É hora de gritar
“Não a todo e qualquer dualismo!” Não há separação entre espiritual e material,
entre sagrado em profano, entre divino e humano, entre santo e pecador, entre
puro e impuro etc. Tudo está intimamente relacionado.
Jesus não morreu na cruz porque Deus quis, mas foi condenado à pena de
morte pelos podres poderes político-econômico e religioso.
Jesus doou sua vida por todos e tudo. Jesus nos salva porque nos amou
demais e não porque sofreu demais.
Jesus não nasceu Cristo, mas tornou-se Cristo, pois conseguiu
desenvolver o infinito potencial de humanidade que cada pessoa traz consigo ao
chegar a este mundo. “Jesus foi tão humano, tão humano, que só podia ser Deus”,
disse o papa Paulo VI.
Milagre não é algo fruto de um poder extraordinário que está acima do
humano.
Milagre é uma maravilha de Deus, conforme diz o Primeiro Testamento da
Bíblia.
Milagre é um gesto solidário e libertador de Deus agindo nas entranhas
da história.
Deus não é juiz, pois Deus é amor. Ou melhor, o amor é Deus.
Deus não é transcendente, mas transdescendente. Na Bíblia, de ponta a
ponta, vemos a imagem de um Deus apaixonado pelo humano.
Deus não é neutro diante dos conflitos. Deus faz opção preferencial
pelos pobres (cf. Ex 3,7-10).
Não existe inferno, nem purgatório e nem limbo como locais destinados
aos pecadores, como descrito de forma tradicionalista por muitos nas igrejas.
Satanás (satã, em hebraico) ou diabo (diabolos, em grego) não são entes
abstratos, um deus negativo que faz oposição ao Deus da vida. Satanás (diabo) é
tudo o que divide, separa, desune, oprime, exclui, discrimina e depreda. Pode
ser uma dimensão interior nossa, mas em uma sociedade capitalista neoliberal
como a nossa, trata-se prioritariamente de estruturas e instituições que
oprimem, excluem e depreda a natureza. Podemos dizer que o agronegócio é
satânico, pois concentra riqueza em poucas mãos, expulsa os pequenos do campo e
devasta a biodiversidade. Uma democracia burguesa formal que não respeita a
Constituição Brasileira e pisa na dignidade das pessoas é uma falsa democracia,
algo também satânico.
Ser cristão implica ser anticapitalista. Não dá para compactuar com os
pretensos valores do capitalismo: concorrência, competição, acumulação, lucrar
e lucrar. Ser cristão é ser outro Cristo, alguém que consola os aflitos, mas
que também incomoda os acomodados. Tarefa da pessoa cristã é buscar vida e
liberdade para todos e tudo – e não apenas para alguns - mas a partir dos
últimos.
5.6
– Comprometer-se com a Opção pelos pobres e pelos jovens
O apóstolo Paulo, ao escrever sobre o Concílio de Jerusalém, acontecido
por volta dos anos 49/50 do 1º século diz que a circuncisão, a maior de todas
as barreiras, tinha sido abolida e que a única coisa que os apóstolos fizeram
questão de alertar foi: “Não esqueçam os pobres.” (Gal 2,10) Esse alerta deve
ser acolhido pelos jovens também. Mas faz bem ter um bom entendimento sobre
quem é pobre. Primeiro, o carente economicamente. Depois, a mulher, o indígena,
o negro, o homossexual, a divorciada, a mãe terra, a irmã água, o meio
ambiente.
A Teologia da Libertação não
vê o pobre apenas como um poço de carência, como um coitado, mas,
principalmente, como um portador de força ética e espiritual. Deus age a partir
dos pequenos. A Teologia da Libertação acredita que “o mundo será melhor quando
o menor que padece acreditar no menor”, conforme dizia Dom Hélder Câmara, o
santo rebelde.
6. Enfim...
Contamos com os jovens, como protagonistas de sua história, para
vivenciar a Opção preferencial pelos Pobres e pelos Jovens, buscar alternativas
para a superação da atual crise sócio-política-econômica-cultural e religiosa.
Apoiar firmemente a Economia Popular Solidária, as lutas pela Reforma Agrária,
por agricultura familiar, por preservação ambiental, pela mudança do atual
modelo econômico neoliberal. Queremos um modelo econômico que seja popular,
democrático, soberano, inclusivo e sustentável ecologicamente. Queremos
construir um outro modelo de igreja, onde, de fato, igreja seja povo de Deus,
em comunidades que se relacionam em sistema de rede.
Apêndice
Sugestão: textos e eventos bíblicos libertadores que podem inspirar a Missão
dos jovens:
1) Gn 1: Toda a Criação é muito boa, imagem e
semelhança de Deus.
2) Ex 1,15-22: O Movimento das parteiras faz
Desobediência civil e religiosa. Cf. Gandhi, Martin Luther King, as camponesas
da Via Campesina.
3) Ex 3,7-10: Deus opta pelos pobres.
4) Davi vence Golias.
5) Is 65,17-25: Eis um novo céu e uma nova Terra.
6) Dn 2,31-37: Uma pedrinha destrói um gigante de pés
de barro – a força da profecia.
7) Jo 6,1-15: Solução radical para a fome de pão –
partilha de pães.
8) Mt 21,12-13: Jesus expulsa os capitalistas do
Templo.
9) Jovens camponeses, João Batista e Jesus se tornam
líderes de libertação.
10) Ap 12,1-17: Uma mulher grávida, em dores de parto,
vence um Dragão.
11)
At 21,1-7: Deus deixa o céu e arma sua tenda no meio dos pobres.
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