domingo, 24 de junho de 2012

“HOUVE UM HOMEM ENVIADO POR DEUS, CHAMADO JOÃO” (Jo.1,6)



                A Igreja celebra no tempo o Mistério Pascal de Cristo como núcleo de sua fé e centro da intervenção de Deus no meio da humanidade. Entretanto, celebra durante o seu Ano Litúrgico a memória de santos e santas que testemunharam em suas própria carne a paixão, morte e ressurreição do Senhor sendo sua santidade existente em função desta co-participação no Mistério de Jesus. Cristo é o protótipo de toda santidade; os santos e santas tanto mais o serão à medida que se identificam com Ele.
                Ao celebrarmos a festa do Nascimento de João Batista fazemos memória da Páscoa de Jesus no testemunho fiel “daquele que não era a luz, mas uma testemunha da luz” (cf.Jo.1,7-8) e, que em nome de um projeto gerador de vida para todos/as, assim como o próprio Cristo, foi capaz de ir até as últimas consequências. A vocação de João nasce do “possível” de Deus para o “impossível” da humanidade; ao conceberem em idade avançada, Isabel e Zacarias são fiéis colaboradores no plano de salvação que Deus preparou para todas as pessoas desde a antiga aliança. Zacarias é a imagem de todos aqueles que, não aceitando o milagre de Deus em sua história, se calam diante da realização da promessa que o Senhor realiza. Quando há discordância entre a vontade de Deus e a nossa própria vontade nos tornamos incapazes e impotentes de colaborar com o Reino. Porém, nele também encontramos todos aqueles e aquelas que diante da experiência do Deus verdadeiro, são capazes de desprender sua língua testemunhar que a presença de Deus visita e liberta o seu povo (cf.Lc.1,68). O primeiro encontro entre o Messias esperado e o seu precursor se dá ainda no ventre materno, um sinal profético que celebra o advento da nova criação anunciada por Deus na encarnação do Verbo. E numa sociedade onde o papel da mulher estava condicionado à exclusão da sinagoga e dos outros diversos espaços sociais, esta “liturgia do encontro” acontece em casa, num lugar feminino e acolhedor, ou seja, no projeto de Deus a casa é o lugar da manifestação da alegria, do encontro fraterno. A casa de Isabel já é uma prefiguração de Betânia (cf.Jo.12,1-3), Zaqueu (cf.Lc.19,5), Emaús (Lc.24,13-35), e tantos outras que serviram como o “lugar” da epifania do projeto de Jesus que é de vida para todos/as (cf.Jo.10,10). O encontro de Jesus com João ainda no ventre de suas mães é força para os cristãos de todos os tempos que devem lutar pela dignidade humana desde a concepção. Quantas mulheres que ainda hoje engravidam do “impossível” e muitas vezes são condenadas por uma sociedade movida pelo preconceito que tem um conceito imutável de família! Quantas adolescentes obrigadas a sustentarem sua gravidez sem um mínimo de condições tanto para elas quanto para seus filhos! Vivemos numa sociedade que em sua grande maioria põe sobre a mulher a responsabilidade inteira pela geração de um filho. Oxalá compreendamos a vocação à vida como um chamado e uma consagração que começa no ventre materno! (cf.Jr.1,5)
                Desde a concepção de João e até o momento de seu nascimento os sinais anunciavam àquilo que Lucas já testemunhava “se tratava de alguém enviado por Deus” (cf.Lc.1,66). A missão clássica de João deu a ele próprio um sobrenome: o Batista, alguém que mergulhava o povo nas águas do Jordão a fim de que purificados pudessem aguardar a vinda de um novo Reino que estava próximo. Todavia, anunciar ao povo a conversão não era nada simples, pois a conversão do coração e do espírito devia gerar também uma conversão social, e neste aspecto, aquele profeta aparentemente tão insignificante, que se vestia com pele de animais e se alimentava de insetos, (cf.Mc.1,6) agora passava a incomodar os grandes opressores de sua gente. João Batista passa a ser então não apenas o precursor de um Messias, mas de todo um povo messiânico, prelúdio de uma nova aliança. Não obstante sua biografia abre as páginas dos evangelhos, que por sua vez abrem as páginas do Novo Testamento.
                Embora um tanto quanto lógico, porém não simplório, o martírio de João Batista é a coroa de sua missão. O anúncio da conversão em vista do Reino que estava próximo transforma-se em denúncia opondo-se aos contra-valores que impedem o Reino de chegar. O discurso profético de João Batista mexeu na posição daqueles que oprimiam o povo fazendo com que sua cabeça seja o prêmio de uma sociedade que explora e escraviza os pobres. Entretanto, o encontro do precursor com o Messias nas águas do Jordão é o sinal, autenticado pelo próprio Espírito, que o Reino já está entre nós, e assim morrer pela sua causa não é perder a vida, mas ganhá-la para sempre. (cf.Mc.8,35)
                A festa litúrgica da Natividade de João Batista é, portanto, um convite à toda Igreja fazer memória de todos aqueles e aquelas que como João, testemunha fiel de Jesus Cristo, ainda hoje são capazes de dar sua cabeça a prêmio pela causa do Evangelho. É a festa daquele que viveu em sua própria carne a Páscoa do Cristo e de toda a Igreja que vê no Mistério Pascal a fonte e a base sólida da sua fé. É uma nascente donde emana força e coragem a fim de lutar sem temor desafiando os contra-valores que ainda hoje impedem o Reino de acontecer entre nós.
                Tão bem-vindas e tão arraigadas na genuína cultura popular, as festas juninas que tanto envolvem toda a sociedade em torno das tradições, e que tem no centro a devoção a este santo, sejam um momento privilegiado de conhecer a sua biografia e de celebrar sua memória sem estarmos tão presos a cultura capitalista que por vezes sufoca o verdadeiro sentido da festa. Em cada “Viva São João!” possa o mundo ouvir: “Viva a força libertadora que nasce da Páscoa de Jesus! Viva o Deus da Vida que visitou e libertou o seu povo!”.


Arnaldo Antonio de Souza Temochko, historiador, liturgista, militante da PJ na Paróquia Imaculada Conceição em Cantagalo, diocese de Guarapuava/PR.

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