A
Igreja celebra no tempo o Mistério Pascal de Cristo como núcleo de sua fé e
centro da intervenção de Deus no meio da humanidade. Entretanto, celebra
durante o seu Ano Litúrgico a memória de santos e santas que testemunharam em
suas própria carne a paixão, morte e ressurreição do Senhor sendo sua santidade
existente em função desta co-participação no Mistério de Jesus. Cristo é o protótipo
de toda santidade; os santos e santas tanto mais o serão à medida que se
identificam com Ele.
Ao
celebrarmos a festa do Nascimento de João Batista fazemos memória da Páscoa de
Jesus no testemunho fiel “daquele que não era a luz, mas uma testemunha da luz”
(cf.Jo.1,7-8) e, que em nome de um projeto gerador de vida para todos/as, assim
como o próprio Cristo, foi capaz de ir até as últimas consequências. A vocação
de João nasce do “possível” de Deus para o “impossível” da humanidade; ao
conceberem em idade avançada, Isabel e Zacarias são fiéis colaboradores no
plano de salvação que Deus preparou para todas as pessoas desde a antiga
aliança. Zacarias é a imagem de todos aqueles que, não aceitando o milagre de
Deus em sua história, se calam diante da realização da promessa que o Senhor
realiza. Quando há discordância entre a vontade de Deus e a nossa própria
vontade nos tornamos incapazes e impotentes de colaborar com o Reino. Porém,
nele também encontramos todos aqueles e aquelas que diante da experiência do
Deus verdadeiro, são capazes de desprender sua língua testemunhar que a
presença de Deus visita e liberta o seu povo (cf.Lc.1,68). O primeiro encontro
entre o Messias esperado e o seu precursor se dá ainda no ventre materno, um
sinal profético que celebra o advento da nova criação anunciada por Deus na
encarnação do Verbo. E numa sociedade onde o papel da mulher estava
condicionado à exclusão da sinagoga e dos outros diversos espaços sociais, esta
“liturgia do encontro” acontece em casa, num lugar feminino e acolhedor, ou
seja, no projeto de Deus a casa é o lugar da manifestação da alegria, do
encontro fraterno. A casa de Isabel já é uma prefiguração de Betânia (cf.Jo.12,1-3),
Zaqueu (cf.Lc.19,5), Emaús (Lc.24,13-35), e tantos outras que serviram como o
“lugar” da epifania do projeto de Jesus que é de vida para todos/as
(cf.Jo.10,10). O encontro de Jesus com João ainda no ventre de suas mães é
força para os cristãos de todos os tempos que devem lutar pela dignidade humana
desde a concepção. Quantas mulheres que ainda hoje engravidam do “impossível” e
muitas vezes são condenadas por uma sociedade movida pelo preconceito que tem
um conceito imutável de família! Quantas adolescentes obrigadas a sustentarem
sua gravidez sem um mínimo de condições tanto para elas quanto para seus
filhos! Vivemos numa sociedade que em sua grande maioria põe sobre a mulher a
responsabilidade inteira pela geração de um filho. Oxalá compreendamos a
vocação à vida como um chamado e uma consagração que começa no ventre materno!
(cf.Jr.1,5)
Desde
a concepção de João e até o momento de seu nascimento os sinais anunciavam
àquilo que Lucas já testemunhava “se tratava de alguém enviado por Deus”
(cf.Lc.1,66). A missão clássica de João deu a ele próprio um sobrenome: o
Batista, alguém que mergulhava o povo nas águas do Jordão a fim de que
purificados pudessem aguardar a vinda de um novo Reino que estava próximo.
Todavia, anunciar ao povo a conversão não era nada simples, pois a conversão do
coração e do espírito devia gerar também uma conversão social, e neste aspecto,
aquele profeta aparentemente tão insignificante, que se vestia com pele de
animais e se alimentava de insetos, (cf.Mc.1,6) agora passava a incomodar os
grandes opressores de sua gente. João Batista passa a ser então não apenas o
precursor de um Messias, mas de todo um povo messiânico, prelúdio de uma nova
aliança. Não obstante sua biografia abre as páginas dos evangelhos, que por sua
vez abrem as páginas do Novo Testamento.
Embora
um tanto quanto lógico, porém não simplório, o martírio de João Batista é a
coroa de sua missão. O anúncio da conversão em vista do Reino que estava
próximo transforma-se em denúncia opondo-se aos contra-valores que impedem o
Reino de chegar. O discurso profético de João Batista mexeu na posição daqueles
que oprimiam o povo fazendo com que sua cabeça seja o prêmio de uma sociedade que
explora e escraviza os pobres. Entretanto, o encontro do precursor com o
Messias nas águas do Jordão é o sinal, autenticado pelo próprio Espírito, que o
Reino já está entre nós, e assim morrer pela sua causa não é perder a vida, mas
ganhá-la para sempre. (cf.Mc.8,35)
A
festa litúrgica da Natividade de João Batista é, portanto, um convite à toda Igreja
fazer memória de todos aqueles e aquelas que como João, testemunha fiel de
Jesus Cristo, ainda hoje são capazes de dar sua cabeça a prêmio pela causa do
Evangelho. É a festa daquele que viveu em sua própria carne a Páscoa do Cristo
e de toda a Igreja que vê no Mistério Pascal a fonte e a base sólida da sua fé.
É uma nascente donde emana força e coragem a fim de lutar sem temor desafiando
os contra-valores que ainda hoje impedem o Reino de acontecer entre nós.
Tão
bem-vindas e tão arraigadas na genuína cultura popular, as festas juninas que tanto
envolvem toda a sociedade em torno das tradições, e que tem no centro a devoção
a este santo, sejam um momento privilegiado de conhecer a sua biografia e de
celebrar sua memória sem estarmos tão presos a cultura capitalista que por
vezes sufoca o verdadeiro sentido da festa. Em cada “Viva São João!” possa o
mundo ouvir: “Viva a força libertadora que nasce da Páscoa de Jesus! Viva o
Deus da Vida que visitou e libertou o seu povo!”.
Arnaldo Antonio de Souza Temochko, historiador, liturgista, militante da PJ na Paróquia Imaculada Conceição em Cantagalo, diocese de Guarapuava/PR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário